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quarta-feira, 10 de novembro de 2010

É preciso se contrapor – considerações sobre O Baixo de Natal


por Fábio Farias

Há uma efervescência em Natal nos últimos anos que os poderes públicos estaduais e municipais não conseguem acompanhar. Fruto da expansão da cidade e do apoio, via editais do Governo Federal, a uma série de projetos culturais, a cena anda em ebulição. Artistas, produtores, músicos saem da toca e tentam encampar idéias novas e diferentes.
A última delas começou na internet. Irritados pela forma como a prefeitura conduz a cultura em Natal nos últimos dois anos e pela gestão do Auto de Natal, artistas decidiram sair da zona de conforto para tramar um evento paralelo.  Nos porões do twitter, instigados pelas más notícias cotidianas, o grupo decidiu fazer um espetáculo chamado, ironicamente, de “Baixo de Natal”.
Mesmo sendo defendido por alguns dos seus criadores como algo “complementar” ao Auto de Natal, não dá para dispensar o caráter de rebeldia e de contraponto ao formato oficial da cultura natalense. E é nisso, em se opor, que a iniciativa se torna ainda mais interessante. Em uma cidade onde a oposição e o embate são sempre deixados de lado em nome da inércia e uma espécie de falso coleguismo, ser contrário a algo oficial já é, em si, uma vitória.
O Baixo de Natal mostra aos poderes, tanto municipal, quanto estadual, que há gente pensando cultura no Rio Grande do Norte. É preciso deixar claro para as fundações culturais que não elas podem funcionar como cabides de cargos comissionados, distribuído, na maior parte das vezes, segundo o rígido conceito da babovice partidária. Deve-se frisar ao poder oficial que as políticas culturais da cidade tem que ser feitas em conjuntos com a demanda dos artistas, respeitando as nossas particularidades.
Natal, diferente de outras capitais do Nordeste, tem uma característica menos regionalista e mais cosmopolita. É uma cidade com forte influência de outros estados brasileiros e de outros países. Para perceber isso, basta dar uma passeada nos corredores do Departamento de Artes e ver o que anda sendo produzido. Há uma reflexão e uma preocupação mais urbana, mais ligada ao que está sendo produzido fora do Nordeste.
Isso não piora, nem melhora a nossa arte. Isso é a característica da nossa população que se reflete diretamente na nossa arte. E não é só no Departamento de Artes que percebemos essa característica mais cosmopolita. Os nossos músicos – mesmo os mais populares – passam também por isso. As nossas peças de teatro respeitam o regionalismo nordestino, mas se embebedam mesmo é em outras fontes. Até na literatura, autores como Carlos Fialho, Patrício Junior e Pablo Capistrano, por exemplo, escreveram livros que nada tem de regionalista.
Outro mérito da iniciativa do Baixo de Natal – que tem a frente cineastas, produtores e atores – é a da desvinculação da produção artística local ao poder público. É preciso largar essa muleta e tentar andar com as próprias pernas. Natal tem grandes músicos, bailarinos e atores. Muitos totalmente dependentes das fundações culturais locais. É preciso tentar cortar esse laço e a melhor forma são iniciativas individuais e coletivas de contraponto, de mudança. E, dentro delas, tentar tornar a arte sustentável, tentar capitalizar, transformar isso em um negócio, em um mercado.
É claro que o Baixo de Natal é ainda uma iniciativa pontual. É preciso de outras idéias como essa, de outras movimentações, da criação de mais espaços independentes, alternativos e que se pretendem economicamente sustentáveis. Mas, o evento em si já representa um marco, pela união com que está sendo tocado, pela sua proposta diferente e, de certo modo, pelo seu caráter subversivo ao pensamento padrão e oficial da cultura no Rio Grande do Norte.
*Na foto, artistas protestam contra a falta de pagamento no Auto de Natal em 2009. Tirada do blog Sempre Algo a Dizer

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